Por Gabriel Neves
Costumamos,
em alguma parte de nosso tempo, pesquisar sobre assuntos diversos. E, em uma
dessas “caminhadas” pela internet, deparei-me com algo um tanto fora do comum e
ainda relacionado com o tema deste blog: um site especializado em estudos sobre a maior facção criminosa
do Brasil, o Primeiro Comando da Capital (PCC).
No site, o Estatuto, a Cartilha e o
Dicionário (todos do PCC) estão disponíveis para qualquer pessoa acessar. Há
também uma aba que apresenta comentários relacionados à facção, na rede social
Twitter, além dos posts.
Após ler os escritos de Rícard Wagner
Rizzi, criador e produtor de conteúdo do site, resolvi buscar um contato com
ele e conversar sobre tudo isso, visto que, apesar de não cumprir à risca o
português padrão, tem um conteúdo diferente do que se encontra por aí.
Nossa conversa durou cerca de duas
horas. Falamos sobre a vida dele, o site e o PCC, além dos perigos que esse
trabalho possa trazer (e já trouxe, aliás).
O autor
Rícard tem 53 anos, é formado em
Administração de Empresas e, há 15 anos, exerce a função de Guarda Civil Municipal,
na cidade de Itu, interior de São Paulo.
Trabalhou de office-boy. Para ele “era
tudo de bom”, pois estava no final da ditadura militar e a adrenalina, segundo
o próprio, se fazia presente na Avenida Paulista.
Após isso, trabalhou de auxiliar de
escritório, “o
que também foi fantástico, pois adorava cadastrar e colocar as coisas em ordem
através de fichas em máquina de escrever”, disse ele.
A fotografia foi sua última
escolha, antes de ser Guarda Municipal. Rícard começou, nesse campo, como
auxiliar de laboratório, passando pela supervisão e chegando à gerência.
Depois, montou uma loja de artigos fotográficos e, devido a isso, fez a
faculdade de Administração de Empresas, na CEUNSP.
Seu atual trabalho está
relacionado com a vontade dele de ajudar, de alguma maneira, as pessoas. A
Guarda Municipal surgiu como um meio para isso, e foi, a partir daí, que o site
foi criado.
O site
Como Rícard integrava,
inicialmente, a Diretoria de Comunicação da Guarda Civil, o site foi criado,
primeiramente, como uma ferramenta para a própria Guarda, há seis anos.
Ainda nesse tempo, ele leu Cristo Recrucificado, de Níkos
Kazantzákis, o mais importante filósofo grego do século XX, e mudou sua forma
de escrever: saindo da “objetividade” e passando a “criar histórias e
cenários”, para evidenciar suas ideias.
Com a sua saída da diretoria,
o site passou um determinado tempo parado. “Até que voltei a reler Edgar Allan Poe (importante escritor
estadunidense) e não consegui e nem tentei me segurar”, disse Rícard, mostrando
sua vontade de escrever.
O
fato de trabalhar no Fórum da cidade o ajudou a descobrir que qualquer cidadão
pode ter acesso aos processos. Desde então, ele começou, em suas folgas, a usar
esses processos para fazer matérias, sendo influenciado pelo Poe, ao produzir
os textos.
Num
determinado dia, encontrou um documento que falava sobre uma operação, na qual
vários líderes da facção caíram. “O processo rendeu várias matérias e acabei
sendo direcionado ao tema” – eis o real surgimento da atual proposta do site.
A
partir disso, vários posts Rícard fez, ganhando público e sendo, aos poucos,
reconhecido na internet, chegando a um contingente de 200 a 500 leitores
diários.
O Ponte, site de jornalismo
que fala sobre direitos humanos, segurança pública e justiça, descobriu o site
sobre o PCC e acabou fazendo uma matéria, o que rendeu cerca de 10 mil leitores
diários para Rírcad e seu site. Matéria disponível aqui.
Desde
então, outros sites passaram a entrevistá-lo, o que gerou cerca de 37 mil
pessoas lendo o site todos os dias.
Além
disso, revistas nacionalmente conhecidas, como Carta Capital e Época, também
chegaram a publicar entrevistas com Rícard.
Hoje,
ele tem em torno de 10 mil leitores por dia.
O conteúdo
Para início de conversa, Rícard Rizzi
entende que o PCC é fruto da nossa sociedade, e nós não assumimos a culpa,
devido a uma certa hipocrisia.
O fato de a sociedade brasileira exigir
que o estado de direito atue para ela em consonância com a não aceitação do
cumprimento da lei, quando esta se refere àqueles que estão presos,
caracterizam essa hipocrisia, e ela é aplicada por meio da sociedade política,
isto é, os governantes.
Justamente pela razão de os direitos dos
detentos não estarem sendo aplicados é que se originam as revoltas internas nas
penitenciárias, o que acaba devolvendo à própria sociedade o que, segundo
Rícard, ela mesma iniciou.
O PCC surgiu assim, por meio da não
aplicação dos devidos direitos dos presidiários, e certamente grande parte da
população não sabe disso.
Dessa forma, quando vem à tona o lema do
PCC (paz, justiça, liberdade, igualdade e
união), é comum haver uma certa confusão na mente e, possivelmente, chegar
à conclusão de que a organização criminosa é meramente mentirosa.
Diz Rícard:
“É
esclarecedora a leitura da Cartilha do PCC. É esse documento do partido (sic)
que explica o que de fato significam essas palavras para os integrantes da
facção.”
No entanto, ainda que a
cartilha seja lida, fica a dúvida entre o que é dito e o que é feito pela
facção. Nessa perspectiva, indaguei a Rícard sobre a relação entre os dizeres e
as ações do PCC, e ele respondeu:
“Promete paz nas prisões, e nos presídios onde
domina não existem mortes ou patifaria. Promete justiça e faz cumprir as suas
regras, mantendo a luta contra as injustiças dentro do sistema. Liberdade, esse
é um sonho que bate as asas sobre nós mas nunca desce, nem para nós, nem para
eles. Sim, eles cumprem o que
prometem, mas veja, se olharmos sob a visão desses ideais fora do seu contexto,
não, mas eles nunca prometeram e nem têm intenção de se expandir para fora de
seus limites”
Declarações
como essa podem incitar a revolta por parte de pessoas que têm uma apreensão da
realidade diferente da de Rícard, falando em prol dos bons costumes e contra os
direitos dos detentos.
Para explicar isso, é importante dizer que a realidade só é compreendida em sua totalidade a partir de uma relação sócio histórica, isto é, dos fenômenos que ocorreram antes da realidade vigente e que se sucederam até chegar a ela. Isso é o mesmo que dizer que, para entender o que é o PCC e o que ele faz, é necessário saber a sua origem e suas relações durante sua existência. Caso contrário, a realidade se fragmenta, levando ao parcial entendimento do que realmente ocorre e, consequentemente, sendo as injustiças estabelecidas mais facilmente.
Acima
temos exemplos de reações à cartilha do PCC, que evidenciam as diferentes
percepções da realidade, chegando ao ponto de haver ameaça e discursos
extremamente agressivos.
Não
só leitores, mas também pessoas envolvidas com a facção e com o Estado criticaram o site de Rícard. Uns falam que o site serve para enaltecimento do crime, outros
que serve para a polícia. Na verdade, na visão do autor, a facção, a polícia e
o Estado estão todos em sua zona de conforto.
O
primeiro porque continua a se utilizar de meios ilícitos para se manter; o
segundo porque continua a “caçar vaporzinhos” e apreender drogas, o que, nas
palavras de Rícard, está no sangue dos policiais; o terceiro porque não quer
desagradar parte da sociedade, uma vez que ela está bastante dividida quanto ao
que fazer para solucionar ou amenizar a situação.
Dessa
maneira, perguntei se o site serviria para tirar todos da zona de conforto, e a
resposta foi:
“Principalmente colocar em
dúvida os resultados que colocam em risco a vida de todos: policiais, cidadãos
e até os infratores da lei.”
Assim,
o site, por mais que seja limitado em suas circunstâncias, abre outro horizonte
de percepção da realidade, envolvendo o Primeiro Comando da Capital e,
consequentemente, o crime como um todo. Essa percepção, como já dito, tem suas
limitações. No entanto, é válido destacar que Rícard Rizzi, além de ter como
principais fontes os processos, os artigos acadêmicos e outras formas de conteúdo
a respeito do tema, teve uma experiência de estar em contato com os integrantes
da facção, dando-lhe uma aproximação do real em consonância com uma apreensão
mais geral (os estudos).
Prezado Senhor Gabriel Neves,
ResponderExcluirApós ler teu artigo fiz algumas modificações na forma de escrever, apesar de continuar apesar não cumprindo à risca o português padrão, busquei atentar menos contra as normas da escrita — também mudei de endereço agora estou no www.faccaopcc1533primeirocomandodacapital.org.
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