quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Guarda Civil é dono de site sobre PCC

Descrição para cegos: print mostra o nome do blog (Primeiro Comando da Capital – PCC – 1533). Abaixo, tem-se o slogan, que diz “Maior site específico de estudos, artigos acadêmicos, fatos, histórias, e estatísticas referentes à facção”. Logo após, um botão para se inscrever no blog e, por último, o menu, que indica os novos posts, o estatuto, o dicionário, a cartilha e outras opções.

Por Gabriel Neves

Costumamos, em alguma parte de nosso tempo, pesquisar sobre assuntos diversos. E, em uma dessas “caminhadas” pela internet, deparei-me com algo um tanto fora do comum e ainda relacionado com o tema deste blog: um site especializado em estudos sobre a maior facção criminosa do Brasil, o Primeiro Comando da Capital (PCC).

No site, o Estatuto, a Cartilha e o Dicionário (todos do PCC) estão disponíveis para qualquer pessoa acessar. Há também uma aba que apresenta comentários relacionados à facção, na rede social Twitter, além dos posts.
Após ler os escritos de Rícard Wagner Rizzi, criador e produtor de conteúdo do site, resolvi buscar um contato com ele e conversar sobre tudo isso, visto que, apesar de não cumprir à risca o português padrão, tem um conteúdo diferente do que se encontra por aí.
Nossa conversa durou cerca de duas horas. Falamos sobre a vida dele, o site e o PCC, além dos perigos que esse trabalho possa trazer (e já trouxe, aliás).

O autor
Rícard tem 53 anos, é formado em Administração de Empresas e, há 15 anos, exerce a função de Guarda Civil Municipal, na cidade de Itu, interior de São Paulo.
Trabalhou de office-boy. Para ele “era tudo de bom”, pois estava no final da ditadura militar e a adrenalina, segundo o próprio, se fazia presente na Avenida Paulista.
Após isso, trabalhou de auxiliar de escritório, o que também foi fantástico, pois adorava cadastrar e colocar as coisas em ordem através de fichas em máquina de escrever”, disse ele.
A fotografia foi sua última escolha, antes de ser Guarda Municipal. Rícard começou, nesse campo, como auxiliar de laboratório, passando pela supervisão e chegando à gerência. Depois, montou uma loja de artigos fotográficos e, devido a isso, fez a faculdade de Administração de Empresas, na CEUNSP.
Seu atual trabalho está relacionado com a vontade dele de ajudar, de alguma maneira, as pessoas. A Guarda Municipal surgiu como um meio para isso, e foi, a partir daí, que o site foi criado.

O site
Como Rícard integrava, inicialmente, a Diretoria de Comunicação da Guarda Civil, o site foi criado, primeiramente, como uma ferramenta para a própria Guarda, há seis anos.
Ainda nesse tempo, ele leu Cristo Recrucificado, de Níkos Kazantzákis, o mais importante filósofo grego do século XX, e mudou sua forma de escrever: saindo da “objetividade” e passando a “criar histórias e cenários”, para evidenciar suas ideias.
Com a sua saída da diretoria, o site passou um determinado tempo parado. “Até que voltei a reler Edgar Allan Poe (importante escritor estadunidense) e não consegui e nem tentei me segurar”, disse Rícard, mostrando sua vontade de escrever.
O fato de trabalhar no Fórum da cidade o ajudou a descobrir que qualquer cidadão pode ter acesso aos processos. Desde então, ele começou, em suas folgas, a usar esses processos para fazer matérias, sendo influenciado pelo Poe, ao produzir os textos.
Num determinado dia, encontrou um documento que falava sobre uma operação, na qual vários líderes da facção caíram. “O processo rendeu várias matérias e acabei sendo direcionado ao tema” – eis o real surgimento da atual proposta do site.
A partir disso, vários posts Rícard fez, ganhando público e sendo, aos poucos, reconhecido na internet, chegando a um contingente de 200 a 500 leitores diários.
O Ponte, site de jornalismo que fala sobre direitos humanos, segurança pública e justiça, descobriu o site sobre o PCC e acabou fazendo uma matéria, o que rendeu cerca de 10 mil leitores diários para Rírcad e seu site. Matéria disponível aqui.
Desde então, outros sites passaram a entrevistá-lo, o que gerou cerca de 37 mil pessoas lendo o site todos os dias.
Além disso, revistas nacionalmente conhecidas, como Carta Capital e Época, também chegaram a publicar entrevistas com Rícard.
Hoje, ele tem em torno de 10 mil leitores por dia.

O conteúdo
Para início de conversa, Rícard Rizzi entende que o PCC é fruto da nossa sociedade, e nós não assumimos a culpa, devido a uma certa hipocrisia.
O fato de a sociedade brasileira exigir que o estado de direito atue para ela em consonância com a não aceitação do cumprimento da lei, quando esta se refere àqueles que estão presos, caracterizam essa hipocrisia, e ela é aplicada por meio da sociedade política, isto é, os governantes.
Justamente pela razão de os direitos dos detentos não estarem sendo aplicados é que se originam as revoltas internas nas penitenciárias, o que acaba devolvendo à própria sociedade o que, segundo Rícard, ela mesma iniciou.
O PCC surgiu assim, por meio da não aplicação dos devidos direitos dos presidiários, e certamente grande parte da população não sabe disso.
Dessa forma, quando vem à tona o lema do PCC (paz, justiça, liberdade, igualdade e união), é comum haver uma certa confusão na mente e, possivelmente, chegar à conclusão de que a organização criminosa é meramente mentirosa.
Diz Rícard:
 “É esclarecedora a leitura da Cartilha do PCC. É esse documento do partido (sic) que explica o que de fato significam essas palavras para os integrantes da facção.”

Leia a cartilha aqui.
No entanto, ainda que a cartilha seja lida, fica a dúvida entre o que é dito e o que é feito pela facção. Nessa perspectiva, indaguei a Rícard sobre a relação entre os dizeres e as ações do PCC, e ele respondeu:
 “Promete paz nas prisões, e nos presídios onde domina não existem mortes ou patifaria. Promete justiça e faz cumprir as suas regras, mantendo a luta contra as injustiças dentro do sistema. Liberdade, esse é um sonho que bate as asas sobre nós mas nunca desce, nem para nós, nem para eles. Sim, eles cumprem o que prometem, mas veja, se olharmos sob a visão desses ideais fora do seu contexto, não, mas eles nunca prometeram e nem têm intenção de se expandir para fora de seus limites”
Declarações como essa podem incitar a revolta por parte de pessoas que têm uma apreensão da realidade diferente da de Rícard, falando em prol dos bons costumes e contra os direitos dos detentos.
Para explicar isso, é importante dizer que a realidade só é compreendida em sua totalidade a partir de uma relação sócio histórica, isto é, dos fenômenos que ocorreram antes da realidade vigente e que se sucederam até chegar a ela. Isso é o mesmo que dizer que, para entender o que é o PCC e o que ele faz, é necessário saber a sua origem e suas relações durante sua existência. Caso contrário, a realidade se fragmenta, levando ao parcial entendimento do que realmente ocorre e, consequentemente, sendo as injustiças estabelecidas mais facilmente.


Descrição para cegos: print mostra três comentários, sendo um anônimo e os outros, pelo nosso blog, privados de suas respectivas identidades. No primeiro comentário, tem-se a frase “bandido bom é bandido morto”, além de dizer que o episódio do Carandiru deveria ter se tornado uma doutrina contra rebeliões. No segundo, há uma saudação ao PCC, chamando seus integrantes de amigos e irmãos, além de falar que eleitores do Deputado Federal Jair Bolsonaro devem ser removidos. No último, tem-se uma pronunciação, falando da necessidade de manutenção do sistema carcerário.

Descrição para cegos: print mostra um comentário anônimo de pessoa que imagina que o PCC está controlando o site. Adjetivos como “ratos”, “sujos” e “nojentos” são seguidos de frases como “Bolsonaro 2018”.



Acima temos exemplos de reações à cartilha do PCC, que evidenciam as diferentes percepções da realidade, chegando ao ponto de haver ameaça e discursos extremamente agressivos.
Não só leitores, mas também pessoas envolvidas com a facção e com o Estado criticaram o site de Rícard. Uns falam que o site serve para enaltecimento do crime, outros que serve para a polícia. Na verdade, na visão do autor, a facção, a polícia e o Estado estão todos em sua zona de conforto.
O primeiro porque continua a se utilizar de meios ilícitos para se manter; o segundo porque continua a “caçar vaporzinhos” e apreender drogas, o que, nas palavras de Rícard, está no sangue dos policiais; o terceiro porque não quer desagradar parte da sociedade, uma vez que ela está bastante dividida quanto ao que fazer para solucionar ou amenizar a situação.
Dessa maneira, perguntei se o site serviria para tirar todos da zona de conforto, e a resposta foi:
“Principalmente colocar em dúvida os resultados que colocam em risco a vida de todos: policiais, cidadãos e até os infratores da lei.”
Assim, o site, por mais que seja limitado em suas circunstâncias, abre outro horizonte de percepção da realidade, envolvendo o Primeiro Comando da Capital e, consequentemente, o crime como um todo. Essa percepção, como já dito, tem suas limitações. No entanto, é válido destacar que Rícard Rizzi, além de ter como principais fontes os processos, os artigos acadêmicos e outras formas de conteúdo a respeito do tema, teve uma experiência de estar em contato com os integrantes da facção, dando-lhe uma aproximação do real em consonância com uma apreensão mais geral (os estudos). 

2 comentários:

  1. Prezado Senhor Gabriel Neves,

    Após ler teu artigo fiz algumas modificações na forma de escrever, apesar de continuar apesar não cumprindo à risca o português padrão, busquei atentar menos contra as normas da escrita — também mudei de endereço agora estou no www.faccaopcc1533primeirocomandodacapital.org.

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