Descrição
para cego: capa do livro. De cima para baixo, tem-se o título, o desenho de
duas mãos segurando grades de uma cela e o nome do autor.
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Por Gabriel Neves
Loic Wacquant, autor do livro As Prisões da Miséria, evidencia a
origem do encarceramento em massa, as motivações, interesses e, além disso,
acompanha o aumento gradativo no quantitativo de vagas nas penitenciárias. Tudo
isso retratado nos Estados Unidos e na Europa.
O livro divide-se em duas partes: a
primeira explicita a passagem das ideias neoliberais dos Estados Unidos para a
Europa. A segunda demonstra a mudança do Estado-providência, nos EUA, para o
Estado-penitência e as possibilidades dessa mesma mudança na Europa.
Na primeira parte, demonstra que as ideias
que fundamentam o encarceramento em massa foram impulsionadas, primeiramente,
pelo Manhatan Institute, que, junto com o politicólogo Charles Murray, lançou
um livro intitulado Losing Ground.
Ainda, para fortalecer a fundamentação, a teoria da vidraça quebrada caiu como
uma luva para haver uma reorganização do trabalho policial, pois a teoria possibilitava
concluir que: combatendo os pequenos crimes, as grandes patologias criminais
deixariam de existir na sociedade. Essa reformulação do trabalho policial foi
empreendida por William Bratton, que era responsável pela segurança do metrô de
Nova York e foi promovido a chefe da polícia municipal.
O objetivo dessa reorganização: refrear
o medo das classes médias e superiores – as que votam – por meio da perseguição
permanente dos pobres nos espaços públicos (ruas, parques, estações
ferroviárias, ônibus e metrô etc.). Usam para isso três meios: aumento em 10
vezes dos efetivos e dos equipamentos das brigadas, restituição das
responsabilidades operacionais aos comissários de bairro com obrigação
quantitativa de resultados, e um sistema de radar informatizado (com arquivo
central sinalético e cartográfico consultável em microcomputadores a bordo dos
carros de patrulha) que permite a redistribuição contínua e a intervenção quase
instantânea das forças da ordem, desembocando em uma aplicação inflexível da lei
sobre delitos menores tais como a embriaguez, a jogatina, a mendicância, os
atentados aos costumes, simples ameaças...
(WACQUANT, L. As prisões da miséria. Digitalizado. 2004, p. 16)
O resultado dessa
reorganização do trabalho, que foi precipitadamente considerado como um
sucesso, uma vez que diminuiu os índices de “criminalidade”, fez com que
houvesse a propagação desses ideais para outros estados e países, como México,
Argentina, para o continente Europeu e, até mesmo, para a cidade de Brasília.
Após um tempo,
questionamentos começaram a ser levantados, tendo em vista mortes totalmente
injustificáveis, como os casos de Amadou Oiallo e Abner Louima, um imigrante da
Guiné e outro do Haiti. Isso desencadeou a mais ampla campanha de desobediência
civil que os Estados Unidos conheceram depois de anos. Até mesmo o principal
sindicato dos policiais de Nova York se afastou da campanha iniciada graças à
reorganização do trabalho policial.
Depois de colocar todos
esses elementos, Wacquant passa a falar, especificamente, da Inglaterra,
mostrando como as ideias foram sendo implementadas por lá.
Inicialmente, assim como nos
EUA, as ideias foram sendo colocadas por institutos. O Instituto Adam Smith é
um exemplo. Elaboraram artigos e, até mesmo, um livro, falando sobre as causas
da criminalidade, que, segundo ele, seriam as famílias monoparentais, isto é,
mães solteiras. Esse livro, escrito por Charles Murray, ficou conhecido em
Londres após uma passagem do autor pela cidade.
Não só as causas da
criminalidade, como também moralidades são colocadas na sociedade. A nova
moralidade seria a do trabalho: quem trabalha é digno e um cidadão de bem,
enquanto o desempregado é um vagabundo ocioso - como se o número de vagas de
emprego disponíveis fossem dependentes da vontade individual.
Alguns dias depois que Murray lançou seu
alerta na imprensa, o ministro do Orçamento do governo Major, Kenneth Clarke,
lhe fez eco, afirmando em um grande discurso que a redução dos gastos sociais
efetuados pelo governo Major visa "impedir a emergência de uma underclass
excluída da possibilidade de trabalhar e dependente da ajuda social" (WACQUANT, L. As prisões da miséria. Digitalizado.
2004, p. 28)
O neoliberalismo, por contradição, diminui as
funções sociais do Estado, reduzindo investimentos, e aumenta a sua função de
coerção, ampliando os gastos para essa área específica. Logo, percebe-se que a
política neoliberal faz com que os governos tirem dinheiro de necessidades fundamentais
para uma população - como saúde e educação - e coloquem tudo isso no setor de
violência estatal para reprimir os criminosos que só se tornaram criminosos
devido à diminuição do Estado social. Então, para os neoliberais, a construção
de presídios é a melhor solução para acabar com a criminalidade.
Na Europa, a situação não foi diferente:
houve a redução da ajuda social, acompanhada da ampliação do Estado-penal, além
das construções de novos complexos penitenciários e a instauração da política
de tolerância zero, iniciada com a reorganização do trabalho policial. Tudo
isso foi ratificado com a banalização dos ideais.
Todos esses mesmos ideais foram levados à
Europa de maneira extremamente articulada. Os Estados Unidos, passando uma
imagem de que estavam muito bem economicamente, levavam outros países a copiar
o seu modelo. Além disso, complexos penitenciários privados norte-americanos,
como a Corrections Corporation of America (CCA), bancavam pessoas de altos
escalões na Europa para fazer excursões pelo próprio complexo, para conhecerem
o sistema e levarem para o seu continente, abrindo espaço para a empresa se
alojar em outros países e aplicar a mesma dinâmica.
Na segunda parte do livro, Loic Wacquant
esmiúça o sistema carcerário nos Estados Unidos e na Europa, começando pelo que
ele chama de “tendências de fundo”, que caracterizam a evolução penal nos EUA.
A primeira tendência é o aumento da polução
carcerária nos três escalões do aparelho carcerário americano, enfatizando que
os EUA, na época, tinham 1.785.079 detentos em comparação com a Inglaterra, maior
detentora de presidiários da Europa, no período, que continha 68.124
presidiários.
A segunda tendência diz respeito a alguns
dados que são esquecidos quando há coleta a respeito da quantidade de pessoas
sob a vigia do Estado, em termos penais. Não existe, apenas, os encarcerados
sob os olhos do Estado-penal, mas também pessoas que estão em outros regimes,
como, por exemplo, semiaberto.
O inchaço da administração penal é a terceira
tendência e mostra como os gastos aumentaram absurdamente. Como exemplo, temos
o crescimento de 325% dos gastos penitenciários dos estados e 612% no capítulo
da construção. Além disso, Wacquant evidencia o que podemos chamar de
investimento invertido - quando o Estado deixa de investir em áreas de
necessidades básicas da população, para colocar dinheiro em áreas que seriam
secundárias, isto é, depois de atender às necessidades básicas da parte mais
carente da sociedade. Com todo esse inchaço no investimento, a administração se
vê na necessidade de reduzir esses gastos. Com isso, passa a aplicar técnicas
para concretizar a redução, como diminuir o nível de vida dos detentos,
investir em inovação tecnológica para substituir agentes penitenciários por
câmeras, transferir uma parte dos custos para as famílias e reintroduzir o
trabalho desqualificado em massa nas prisões.
A quarta tendência, explicita o autor, é a
privatização das penitenciárias. Esta parte mostra dados do aumento da
quantidade de vagas em sistemas carcerários particulares. Em 1983, por exemplo,
não havia vagas nos Estados Unidos. Cinco anos mais tarde foram disponibilizadas
4.630 lugares. Em 2001, essa quantidade era 59 vezes maior, passando a 276.655
lugares.
Por fim, o corte racial é a quinta tendência
de fundo que caracteriza a evolução penal nos EUA. Em 1985, para cada 100 mil
adultos, tinha-se 528 brancos presos e 3.544 negros. Em 1990, 718 brancos e
5.365 negros. Em 1995, 919 brancos e 6.926 negros.
Após a apresentação das cinco tendências, é
colocada a lógica profunda da passagem do Estado-providência para o Estado-penitência,
sendo a atribuição de pessoas pobres à criminalidade e o papel central do
sistema penitenciário - que é o de controlar a miséria.
O livro ainda detalha o que aconteceu na
França, mostrando as relações entre prisão, classe social, negros, estrangeiros
e nativos, apresentando seus respectivos motivos, para, dessa forma, explicar o
que já havia ocorrido na Europa e as possibilidades do que viria acontecer.
Assim, propaga-se na Europa um novo senso comum penal
neoliberal - sobre o qual vimos precedentemente como atravessou o Atlântico -
pelo viés de uma rede de "geradores de idéias" neoconservadoras e de
seus aliados nos campos burocrático, jornalístico e acadêmico -, articulado em
torno da maior repressão dos delitos menores e das simples infrações (com o
slogan, tão sonoro como oco, da "tolerância zero"), o agravamento das
penas, a erosão da especificidade do tratamento da delinqüência juvenil, a
vigilância em cima das populações e dos territórios considerados "de
risco", a desregulamentação da administração penitenciária e a redefinição
da divisão do trabalho entre público e privado, em perfeita harmonia com o
senso comum neoliberal em matéria econômica e social, que ele completa e
conforta desdenhando qualquer consideração de ordem política e cívica para
estender a linha de raciocínio economicista, o imperativo da responsabilidade
individual - cujo avesso é a irresponsabilidade coletiva - e o dogma da
eficiência do mercado ao domínio do crime e do castigo. (WACQUANT, L. As prisões da miséria. Digitalizado.
2004, p. 89)
Este trecho sintetiza bem a segunda parte do
livro Prisões da Miséria, de Loic
Wacquant, que serve como base para uma análise do sistema penitenciário
brasileiro, haja vista que este foi baseado no sistema norte-americano, objeto
de estudo do livro.
Institutos de pesquisa disseminando ideias
neoliberais, dissipação das causas da criminalidade como algo unicamente
subjetivo, trabalho como uma forma de moralidade, instauração da intolerância
zero, importadores e exportadores dos ideais neoliberais e controle da miséria
são, portanto, alguns dos assuntos abordados no livro de Loic Wacquant,
deixando uma reflexão muito profunda quanto a políticas de segurança pública no
Brasil e no mundo: serão elas uma verdadeira ditadura sobre a miséria?
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