O
cientista politico Maurício Santoro, que atua como assessor dos Direitos Humanos da Anistia Internacional
no Brasil, concedeu uma instigante entrevista ao site dessa ONG destacando a crise de violência
no país e no mundo. Durante o diálogo ele discorre sobre a situação da
violência em todo o mundo segundo os dados estatísticos contidos no Relatório 2014/15
do órgão que assessora, e em especial relata a situação brasileira. Confira a seguir
a entrevista com o cientista Maurício Santoro (Moacyr Martins)
Relatório da Anistia Internacional destaca violência no mundo e crise da segurança pública no Brasil
A Anistia Internacional lançou nesta quarta-feira
(25) o relatório 2014/15– O Estado dos Direitos Humanos no Mundo.
Internacionalmente, 2014 foi um ano catastrófico para milhões de pessoas,
atingidas pela violência. A resposta global a conflitos e abusos por Estados e grupos
armados tem sido vergonhosa e ineficaz. Já no Brasil, o destaque é o agravamento da crise da segurança
pública.
Como a Anistia percebe o agravamento das crises
humanitárias internacionais?
O mundo tem vivido nos últimos anos uma espiral de
violência que tem levado a crises humanitárias muito graves envolvendo os
confrontos armados entre governos e entre atores não-estatais, mas que exercem
controle de território, como é o caso do Estado Islâmico, como é o caso do Boko
Haram na Nigéria, e as respostas violentas dos governos a situações de
terrorismo ou de insegurança pública, com muita frequência estão levando ao
agravamento destes conflitos, causando um ambiente de cerceamento de direitos,
de violações de liberdades civis e políticas, nas quais as principais vítimas
são as populações civis. Então, nós observamos estas graves crises em diversos
países: na Síria, na Nigéria, no Sudão do Sul, na República Centro-Africana.
Todos estes países, todas estas nações, têm sido afligidas, tem sido tragadas
por esta espiral de violência. E é necessário que os governos formulem
respostas a estas situações de crise que passem pelo fortalecimento dos
direitos e não pela sua violação.
Como você vê a resposta a esta crise nos países europeus
e Estados Unidos?
A resposta da Europa e dos Estados Unidos às crises
humanitárias tem sido muito ineficiente, sobretudo pela incapacidade e omissão
diante das crises de refugiados. Nós temos hoje no mundo, dezenas de milhões de
refugiados, mais do que existiam por exemplo ao final da 2ª Guerra Mundial. E
quase sempre a resposta dos países ricos tem sido de negar e impedir o acesso
desses refugiados aos seus territórios. Então quem de fato tem encarado o fardo
de receber estas emergências humanitárias têm sido países em desenvolvimento,
como a Turquia e o Paquistão, que são vizinhos a estas regiões de conflito, mas
que muitas vezes não tem os recursos econômicos necessários para lidar com este
fluxo de milhões de refugiados. Então é necessário um engajamento mais forte
dos países ricos. Eles têm esta responsabilidade e não têm vivido à altura
dela.
E como você vê o papel do Brasil neste contexto
internacional?
O Brasil tem sido chamado de maneira crescente a exercer um
papel de liderança e de responsabilidade em vários debates internacionais
relevantes sobre direitos humanos que vão desde o tratado de comércio de armas
até a aceitação de refugiados, passando pelas grandes negociações de direitos
humanos na ONU – no Conselho de Direitos Humanos em Genebra ou na Assembleia
Geral em Nova York. O Brasil tem desempenhado algumas atuações-chave em temas
como a privacidade na internet e como a não discriminação por orientação
sexual. Agora, é necessário que o Brasil aprofunde esta agenda, que o Brasil se
engaje de maneira mais intensa nos debates sobre direitos humanos. Chama
atenção, por exemplo, que o Brasil não tenha ratificado até hoje o tratado de
comércio de armas, embora tenha assinado este acordo no primeiro dia. E é
necessário também que o Brasil tenha uma postura mais crítica aos grandes
violadores de direitos humanos nos fóruns internacionais. Em muitos casos há
uma grande relutância e cautela do Brasil em fazer esta crítica, em realmente
expor estes países que estão sendo graves violadores. E a palavra do Brasil tem
peso. O Brasil é um país respeitado pela sua moderação, pelo seu equilíbrio e
pode fazer uma diferença positiva em várias situações de crise.
O relatório mostra que no ano de 2014 não houve mudanças
significativas quanto à forma que os governos lidam com a segurança pública.
Como a Anistia Internacional avalia a segurança pública no Brasil?
A segurança pública no Brasil vive hoje uma crise muito
grave e que se reflete de várias maneiras. Nós podemos observá-la, por exemplo,
no aumento dos homicídios cometidos por policiais, que tiveram um crescimento
muito impressionante ao longo de 2014, sobretudo no Rio de Janeiro e São Paulo;
podemos vê-la também na enorme impunidade que grassa com relação a violações de
direitos humanos cometidas por agentes do Estado; Na dificuldade de se
investigar homicídios no Brasil, já que em torno de 85% deles permanecem impunes,
sem que as autoridades consigam apontar quem foram as pessoas responsáveis por
estes crimes. E tudo isso cria um sentimento de medo, tudo isso cria uma
angústia na população muito ruim, muito preocupante para toda a sociedade e que
torna também mais difícil a mobilização social, torna mais difícil a
articulação das pessoas na defesa de seus direitos, uma vez que muitas vezes
elas acabam cerceadas pelo medo e preocupadas com esta violência muito grande
no cotidiano.
Você pode exemplificar dados da violência no Brasil?
Bom, temos vários casos que estão cobertos no relatório
deste ano. Há casos expressivos como o do pedreiro Amarildo, no Rio de Janeiro,
que desapareceu após ser levado para uma Unidade de Polícia Pacificadora e o
Ministério Público acredita que ele foi morto sob tortura por policiais desta
unidade; Há o caso da Claudia Ferreira da Silva, também no Rio de Janeiro, que
foi atingida por disparos feitos por policiais e depois foi arrastada por estes
policiais na sua própria viatura policial e acabou falecendo em decorrência
desses ferimentos; Ou o caso do dançarino Douglas da Silva, também no Rio, na
comunidade do Cantagalo, que apareceu morto após uma operação policial, com
ferimentos de bala; Tudo isso aponta para um cenário de segurança extremamente
frágil, extremamente instável e marcado por esta impunidade, marcado por esta
dificuldade de que o Estado possa controlar a si mesmo. De que o Estado possa
fazer valer a transparência, a prestação de contas sobre seus próprios agentes.
E claro, temos também níveis grandes de violência rural no Brasil, de violência
contra povos indígenas, contra quilombolas, contra pequenos agricultores. Aí
temos diversas situações nos estados do Mato Grosso do Sul, contra os Guarani
Kaiwoá; ou no Estado do Maranhão, contra comunidades quilombolas; e muito
também na enorme ameaça, enorme persistência de violência contra defensores de
direitos humanos, contra ativistas que estão mobilizados Brasil afora pela
defesa de vários direitos importantes e que têm sua atuação marcada pela
constante ameaça de violência, inclusive do homicídio.
Nenhum comentário:
Postar um comentário