segunda-feira, 14 de agosto de 2017

Se soluções são criadas, problemas também podem ser

Descrição para cegos: foto de 3 peças de xadrez sobre um tabuleiro. Em primeiro plano, um peão preto e, um pouco atrás, a rainha e um bispo brancos.

Por Gabriel Neves

A caracterização de um determinado problema faz parte da construção de uma política, principalmente de segurança pública. Em outras palavras, quando se quer construir uma política que não deve ser explicitada para todos, uma definição sobre determinado problema é elaborada.

No século XVI, por exemplo, para que a colonização inglesa fosse possibilitada, foi necessário o que Karl Marx chamaria de “acumulação primitiva”, base para o desenvolvimento do capitalismo. Essa acumulação consistiu nas expropriações de terras promovidas pela alta classe inglesa contra os pequenos proprietários de terra e camponeses. Após tomar as terras, leis foram aprovadas, retirando direitos de pessoas que não eram proprietárias (aquelas que foram expropriadas) e criminalizando os “vagabundos”. Diante dessa situação, os “desocupados” e desterrados eram obrigados a trabalhar para os expropriadores. Aqui, os problemas eram, entre outras coisas, caraterizados tanto pela questão de não possuir terra, quanto pelo fato de não estar subordinado a alguém (trabalho).
Nos EUA pós-guerra civil, foi criada uma definição para o termo “criminoso”, que seria, além de outras definições, uma pessoa desocupada (vagabundo). Esse termo englobou aqueles que o governo norte-americano queria que trabalhassem gratuitamente para elevar a economia do país. Os “vagabundos”, nesse contexto, eram os negros que deixaram de ser explorados pelo sistema escravista, que era a base econômica estadunidense, e que, por meio da criminalização, foram presos e, consequentemente, voltaram a trabalhar de graça.
No século XX, a ditadura militar brasileira (1964-85) matou e torturou várias pessoas, incluindo jovens, adultos e mulheres grávidas. O pretexto para tal crueldade estaria na perseguição aos comunistas (como se isso fosse justificativa). Aqui, a criminalização está em torno de ser adepto das ideias do grupo perseguido, porém qualquer pessoa que se opunha ao governo era considerada comunista e, portanto, criminosa.
Nos EUA, nesse mesmo século, houve a criação (ou retorno, porque já havia na Inglaterra do século XVI) da moral do trabalho. Isso significava que “quem trabalha é um cidadão de bem, enquanto o desempregado é um vagabundo”. A partir disso, o foco de ataque policial mudou, sendo muito evidente quando moradores de rua, pessoas que pediam dinheiro nos sinais ou que vendiam qualquer coisa para ganhar seu sustento eram atacadas sistematicamente, sob o preceito de que “combatendo os menores crimes (vagabundagem) as grandes patologias criminais seriam evitadas”. A verdade é que havia interesses em segregar parte da população, fazendo um tipo de “limpeza” – esta era a política implícita.
Portanto, ao conhecer alguns acontecimentos da história da humanidade, pode-se notar que sempre houve a criação de problemas para propor “soluções” que fossem políticas de favorecimento. O que fica perceptível, ainda, é a questão de os discursos serem parecidos, tratando, muitas vezes, da “vagabundagem” ou ociosidade como forma de crime, deixando evidente, dessa maneira, que o sistema econômico é um forte fator de interferência aos variados níveis de estratégia da organização da sociedade, inclusive à segurança pública.




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